sexta-feira, 20 de agosto de 2010

 

NOTÍCIA DO CORREIO POPULAR DE CAMPINAS

Shell e Basf são condenadas a pagar indenização bilionária

Sentença da Justiça do Trabalho beneficia 3,5 mil ex-funcionários e parentes

Luciana Félix
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
luciana.felix@rac.com.br

A 2 Vara da Justiça do Trabalho de Paulínia condenou ontem as empresas Shell e Basf S.A. a pagarem indenizações e multas que devem ultrapassar R$ 1,1 bilhão, devido à contaminação de trabalhadores expostos a substâncias tóxicas no bairro Recanto dos Pássaros. O embate jurídico perdurava por uma década.

Desse valor, R$ 761 milhões serão revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) — órgão ligado ao Ministério do Trabalho —, como multa por danos morais, e o restante será distribuído entre os ex-trabalhadores das duas empresas (contratados ou terceirizados). Cada ex-funcionário e cada filho nascido durante ou depois da prestação de serviços, deverá receber o valor de R$ 64,5 mil. A decisão beneficia cerca de 3,5 mil pessoas. O caso ganhou repercussão nacional em 2001, após série de reportagens do Correio que deu ao jornal um dos principais prêmios do jornalismo brasileiro — o Esso.

A sentença também obriga as empresas a custearem o tratamento médico de todos os ex-funcionários da unidade de fabricação de agrotóxicos, desde a década de 70 até o ano de 2002, quando houve a interdição da planta. Os filhos de empregados, autônomos e terceirizados, que nasceram durante ou após a prestação de serviços, também são abrangidos pela decisão. As empresas têm oito dias para recorrer da decisão no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas.

De acordo com a sentença da juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, a cobertura médica deve abranger consultas, exames e todo tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações. A magistrada afirma que as provas apresentadas no decorrer do processo foram suficientes para demonstrar a responsabilidade das empresas na contaminação dos ex-funcionários. Ressalta ainda que as empresas tinham conhecimento desde 1970 do dano causado pelos produtos por elas manipulados. "A Shell, que teve a produção banida dos Estados Unidos, se transferiu para Paulínia. E a Basf não foi mais cautelosa: sabia da contaminação. E se instalou no mesmo sítio", diz a sentença.

A decisão é resultado de uma ação coletiva movida pelo Ministério Público do Trabalho e pela associação dos ex-trabalhadores da extinta fábrica de agrotóxicos em 2001. As empresas também foram condenadas a pagar outra indenização, de uma ação movida pelo Sindicato dos Químicos. "Elas terão que pagar R$ 20 mil por ex-funcionário, por ano trabalhado, valor que deve ser corrigido", disse a procuradora do MPT, Márcia Kamei Lopez Aliaga. "Foi dado um grande passo. É a primeira sentença contra essas duas grandes empresas."

As duas empresas têm cinco dias para publicar um edital de convocação dos trabalhadores e descendentes nas duas maiores emissoras de TV do País. Apenas a Basf deve divulgar o comunicado em dois jornais de grande circulação em dois domingos, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Após a publicação, os trabalhadores terão prazo de 90 dias, a partir de 30 de agosto, para apresentarem documentos comprovando a condição de ex-empregados da Shell, Cyanamid ou Basf. Eles podem também se cadastrar no site www.prt15.mpt.gov.br.

Empresas negam ser responsáveis por danos à saúde e vão recorrer da decisão

As empresas condenadas pela Justiça do Trabalho afirmaram ontem, por meio de notas oficiais, que pretendem recorrer da decisão que as condena a pagar indenizações e multas. A Shell informou que a sentença trata-se de uma decisão de primeira instância e que irá recorrer a instâncias superiores. A empresa ressaltou ainda que a existência de contaminação ambiental no local não implica necessariamente em exposição com danos à saúde dos ex-funcionários. Com base nessa avaliação, a Shell sustenta que não é possível afirmar que "as alegadas queixas de saúde de ex-empregados ou de quaisquer outros trabalhadores resultaram do fato de essas pessoas terem trabalhado nas antigas instalações da Shell em Paulínia". A Basf também afirmou que vai recorrer da decisão, pois não concorda com a sentença que, diz a nota, se baseou "na contaminação ambiental causada e assumida pela Shell". A punição foi considerada "absurda" pela empresa. A fábrica da Shell em Paulínia foi adquirida pela Cyanamid em 1995 e depois comprada pela Basf, que considera de responsabilidade da Shell o passivo ambiental deixado no local. De acordo com a empresa, esse fato é público, já que a Shell reconheceu a contaminação por meio de autodenúncia no Ministério Público Estadual. "Em 2000, a Basf comprou o negócio de defensivos agrícolas da Cyanamid e em 2002 as atividades produtivas foram encerradas", diz a nota enviada. No mês passado, a Basf obteve uma liminar que limitava o custeio das despesas médicas aos ex-funcionários e prestadores de serviço que atuaram entre 2000 e 2002 na fábrica. A decisão de ontem derrubou a liminar e condenou as duas empresas a pagar o tratamento a todos os ex-funcionários. (LF/AAN)

SAIBA MAIS

No final da década de 70, a Shell instalou uma fábrica de pesticidas no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. A empresa chegou a ser acusada por órgãos ambientais de não cumprimento de normas para o destino final aos subprodutos das substâncias químicas.

Em 1992, em virtude do processo de venda de seus ativos à empresa Cyanamid, a Shell contratou uma empresa de consultoria ambiental para analisar o solo da unidade.

Os testes identificaram a presença de produtos tóxicos no solo e contaminação dos lençóis freáticos próximos ao terreno da fábrica.

'O cheiro era forte, mas nos acostumamos'

Trabalhadores aposentados passam por acompanhamento médico e temem novas doenças

Após oito anos do encerramento das atividades na planta da antiga fábrica da Shell, os trabalhadores dizem que ainda sofrem as consequências da contaminação causada por substâncias tóxicas. Parte delas convive com doenças e com a incerteza de que ainda pode vir a manifestar os sintomas da contaminação.

O aposentado Antonio de Marco Rasteiro, de 62 anos, foi líder de produção da Shell por 21 anos e está se curando de um câncer de próstata. Ele teve que tirar um nódulo do pulmão esquerdo há alguns anos. "O mais engraçado é que sempre me cuidei e não fazia extravagância. Nunca bebi e nem fumei. Porém tenho que fazer acompanhamento médico, pois sempre estou com a saúde debilitada", informou.

O ex-funcionário afirmou que na época em que trabalhava na fábrica, entre os anos de 1977 e 1998, os empregados não faziam ideia dos riscos a que eram expostos. "O cheiro por muitas vezes era forte, mas daí a pensar que o retorno viria anos depois nunca passou pela cabeça das pessoas. Estávamos acostumados e nem percebíamos que inalávamos substâncias tóxicas. Houve uma falha muito grande das empresa, que trouxe prejuízo para muitas famílias", afirmou.

Hoje o que mais preocupa o aposentado é a saúde da filha, que nasceu durante a época em que ele trabalhava. "Ela tem problemas hormonais que pedem acompanhamento médico. Estou sempre em alerta. Esta indenização é o mínimo que eles (as empresas) poderiam fazer para as famílias. E mesmo assim não irá curar e dar saúde para ninguém."

Assim como o ex-operário, o químico aposentado Edson Santos da Silva, que trabalhou na unidade do Recanto dos Pássaros durante 25 anos, também tem queixas do período em que era exposto aos produtos. "Vários colegas tinham de ser transferidos por causa de alterações nos exames que realizávamos semanalmente. Quando a fábrica encerrou suas atividades, em 2002, tivemos que arcar do próprio bolso com exames que custavam mais de R$ 1mil, porque a empresa afirmava que não ia produzir provas contra ela mesma",disse.

"Ex-colegas de trabalho morreram em virtude de câncer ao longo destes anos. Acho que essa indenização ainda é pouco para pagar tudo e a tristeza e a saudade que os familiares sentem", afirmou o ex-operário Edir da Silva.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, ao menos 66 pessoas perderam a vida devido à exposição a agentes tóxicos do local. A estimativa é feita com base em exames feitos durante o andamento do processo. (LF/AAN)

 

 
ciomara

 

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