quinta-feira, 17 de junho de 2010

 

ONDE TEM DESRESPEITO E CRIME TEM SHELL NO MEIO

Imagem mostra águas poluidas do Rio Bodo
Mulher caminha em meio a rio poluído em Kegbara Dere, na Nigéria

Longe do Golfo, vazamento de petróleo na Nigéria dura 50 anos
Estimativas apontam que Delta do Níger sofre o equivalente a um Exxon Valdez por ano
The New York Times

17/06/2010 15:51
Grandes vazamentos de petróleo deixaram de ser notícia em Bodo, na Nigéria.


O Delta do Níger, onde a riqueza subterrânea contrasta com a pobreza existente na superfície, tem sofrido o equivalente ao vazamento do Exxon Valdez a cada ano nos últimos 50 anos, segundo algumas estimativas.

O petróleo vaza quase todas as semanas e alguns pântanos já não têm vida há muito tempo.
Talvez nenhum outro lugar na Terra tenha sido tão maltratado pelo petróleo, dizem os especialistas, o que deixa os moradores de Bodo espantados com a atenção ininterrupta dada ao vazamento a meio mundo de distância, no Golfo do México.

Foi apenas há algumas semanas, eles dizem, que um cano da

Royal Dutch Shell

que estourou nos manguezais foi finalmente fechado, após dois meses de vazamento contínuo: agora nenhum ser vivo se move numa área tomada pelo petróleo e que antes era repleta de camarões e caranguejos.
Não muito longe dali, ainda há petróleo cru no Riacho Gio de um vazamento que aconteceu em abril.

Do outro lado da fronteira do Estado, em Akwa Ibom, os pescadores amaldiçoam suas redes enegrecidas pelo petróleo, inúteis em um mar estéril por causa de um vazamento de um oleoduto marítimo da Exxon Mobil em maio, que durou semanas.
O petróleo vaza de tubulações enferrujadas e envelhecidas, não controladas pelo que os especialistas dizem ser uma regulamentação ineficaz ou corrupta, e é auxiliado por uma manutenção deficiente e por sabotagens constantes.

Diante desta maré negra existem raros protestos - soldados que guardavam uma sede da Exxon Mobil bateram em mulheres que protestavam na frente do prédio no mês passado, segundo testemunhas -, mas principalmente uma aceitação ressentida.
Aqui, as crianças pequenas nadam no estuário poluído, os pescadores levam seus esquifes cada vez mais longe - "Não há nada que possamos pescar aqui", disse Pio Doron, em seu barco - e as mulheres do mercado andam com dificuldade por riachos cheios de petróleo.
"Há petróleo Shell no meu corpo",

disse Hannah Baage, emergindo do Riacho Gio com um facão para cortar os caules de mandioca equilibrados sobre a sua cabeça.
Que o acidente no Golfo do México tenha paralisado um país e um presidente que tanto admiram é algo que espanta as pessoas aqui, que vivem entre os estuários em condições tão abjetas quanto em qualquer outra região da Nigéria, de acordo com as Nações Unidas.

Apesar de sua região contribuir com cerca de 80% da receita do governo, eles pouco se beneficiam disso: a expectativa de vida é a menor do país.
"O presidente Obama está preocupado com aquele", disse Claytus Kanyie, um oficial local, sobre o vazamento do Golfo, em pé entre os mangues mortos na lama mole e oleosa de Bodo. "Ninguém está preocupado com este. A vida aquática do nosso povo está morrendo. Antes tínhamos camarão. Não há mais nenhum camarão".
À distância, avista-se a fumaça que Kanyie e ativistas ambientais dizem ser de uma refinaria ilegal mantida por ladrões de petróleo locais e protegidas, segundo eles, pelas forças de segurança nigerianas. O pântano estava deserto e tranquilo, sem nem mesmo o canto dos pássaros; antes do vazamento, disse Kanyie, as mulheres de Bodo ganhavam a vida recolhendo moluscos e crustáceos que viviam entre os manguezais.
Com as novas estimativas de que mais de 2,5 milhões de galões de petróleo podem vazar no Golfo do México por dia, o Delta do Níger passou a ser uma história com a qual os Estados Unidos podem aprender.
Até 546 milhões de galões de petróleo foram derramados no Delta do Níger nas últimas cinco décadas, ou quase 11 milhões de galões por ano, concluiu um relatório de 2006 feito por uma equipe de especialistas do governo da Nigéria e de grupos ambientalistas locais e internacionais . Em comparação, o vazamento do Exxon Valdez em 1989 despejou cerca de 10,8 milhões de galões de petróleo nas águas do Alasca.
Assim, o povo aqui lança um olhar invejoso, ainda que simpatizante, ao vazamento no Golfo Pérsico. "Lamentamos por eles, mas isso está acontecendo aqui há 50 anos", disse Emman Mbong, um oficial de Eket.
Os vazamentos na Nigéria são ainda mais devastadores, porque esta região ecologicamente sensível das zonas úmidas, fonte de 10% das importações de petróleo dos Estados Unidos, tem a maior parte do mangue da África e, como a costa da Louisiana, tem alimentado o interior durante gerações com sua abundância de peixes, crustáceos, fauna e plantações.
Ambientalistas locais vêm denunciando a devastação há muitos anos, com poucos resultados.
"É um ambiente morto", disse Patrick Naagbanton do Centro para Meio Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento, em Port Harcourt, a principal cidade da região do petróleo.
Embora muito tenha sido destruído, ainda há grandes extensões de um verde vibrante. Os ambientalistas dizem que com uma recuperação intensiva, o Delta do Níger poderia voltar a ser o que era.

Foto: The New York Times
Imagem mostra águas poluídas do rio Bodo
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Foto 1/4

A Nigéria produziu mais de 2 milhões de barris de petróleo por dia no ano passado, e em mais de 50 anos milhares de quilômetros de tubulações foram colocadas através dos pântanos. A Shell, principal companhia na área, tem operações em milhares de quilômetros quadrados de território, de acordo com a Anistia Internacional.
Colunas envelhecidas de poços de petróleo, conhecidas como árvores de Natal, surgem improváveis em clareiras entre as palmeiras.
O petróleo muitas vezes jorra por elas mesmo que os poços estejam extintos.
"O petróleo estava simplesmente jorrando pelo ar, até o céu", disse Amstel M. Gbarakpor, presidente da juventude em Kegbara Dere, recordando o derramamento de abril no Riacho Gio. "Foram necessárias três semanas para fechar este poço".
Quantos dos vazamentos são causados por ladrões de petróleo ou sabotagem ligada ao movimento militante ativo no Delta do Níger, e quantos decorrem da falta de manutenção e tubos envelhecidos, são questões que envolvem uma disputa acirrada entre as comunidades, os ambientalistas e as empresas de petróleo.
Caroline Wittgenstein, porta-voz da Shell em Lagos, disse: "Nós não discutimos vazamento individuais", mas ela argumentou que a "vasta maioria" é causada por sabotagem ou roubo, com apenas 2% devido à falha de equipamento ou erro humano.
"Nós não acreditamos que nos comportamos de forma irresponsável, mas operamos em um ambiente único onde a segurança e a ilegalidade são os maiores problemas", disse Wittgenstein.
As empresas petrolíferas também alegam que limpam muito do material que é vazado. Um porta-voz da Exxon Mobil em Lagos, Nigel A. Cookey-Gam, disse que o vazamento recente da empresa foi de cerca de 8.400 galões e que "tudo isso foi efetivamente limpo".
Mas muitos especialistas e autoridades locais dizem que as empresas atribuem excessiva culpa à sabotagem, para diminuir sua responsabilidade. Ricardo Steiner, consultor de vazamentos de petróleo, concluiu num relatório de 2008 que, historicamente, "o índice de falhas nos oleodutos na Nigéria é muitas vezes maior que aquele encontrado em outras partes do mundo", e ele observou que mesmo a Shell reconheceu que "quase todos os anos" um vazamento pode ser ligado a um oleoduto corroído.
Na praia de Ibeno, os poucos pescadores parecem taciturnos. Mar adentro, o petróleo tem vazado há semanas de uma tubulação da Exxon Mobil. "Nós não conseguimos ver onde pescar, o petróleo está no mar", disse Patrick Okoni.
Por Adam Nossiter
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