domingo, 9 de dezembro de 2007

 

SOU UMA DAS 24......, QUE, NA REALIDADE, SÃO 12


Publicada em 10/12/2007
Cidades Contaminados enfrentam futuro sombrio
Sem dinheiro e sem emprego, parte de ex-funcionários morreu e parte convive com perspectiva de doenças que ainda virão

Marcelo AndriottiDA AGÊNCIA ANHANGÜERAmailto:ANHANGÜERAmarcelo.andriotti@rac.com.br
Quarenta e oito, até a semana passada.
Esse é o número de ex-funcionários da Shell e da Basf de Paulínia mortos desde 1977.
A conta macabra é feita e refeita pelo grupo que se reúne toda quinta-feira no Sindicato dos Químicos em Campinas. Eles sabem que podem ser os próximos a entrar na contabilidade. Muitos estão doentes e outros torcem para que as substâncias acumuladas em seus corpos não se manifestem.
O grupo faz parte da Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq), que existe há 5 anos e luta para que as multinacionais custeiem tratamentos de saúde dos trabalhadores e seus familiares.
“As substâncias que nos contaminaram se manifestam a médio e longo prazos e podem atingir até a terceira ou quarta geração de nossas famílias”, disse Antonio de Marco Rasteiro, diretor da associação, para a segunda matéria da série do Correio Popular sobre contaminações.
Dos 48 colegas mortos, nenhum tinha mais de 60 anos e muitos foram vítimas de câncer.
Eles ainda não têm as contas fechadas com as causas de cada uma das mortes.
Cerca de 10 ex-trabalhadores morreram vítimas de acidentes, mas nem nesses casos eles descartam ligações com a contaminação. “Eles podem ter passado mal antes dos acidentes”, diz Rasteiro. O que pode parecer exagero, para esses ex-funcionários faz sentido. Eles sentem na pele os efeitos das substâncias químicas que carregam.Além dos contaminados da Shell e Basf em Paulínia, a associação também reúne contaminados em Cubatão, Osasco, Mauá, Rafard e outras localidades onde houve unidades industriais com casos confirmados.
Rasteiro diz que no Estado de São Paulo são 1.822 áreas contaminadas, sendo mais de mil de postos de combustíveis e cerca de 800 de indústrias.
A Shell nega que eles tenham sido contaminados durante o tempo em que trabalharam lá.
“(É) importante destacar que a existência de contaminação ambiental não implica necessariamente em risco ou danos para a saúde das pessoas. Dessa forma, não é possível afirmar que trabalhadores estejam contaminados pelo fato de terem trabalhado em uma instalação onde foi detectada uma contaminação do solo em área restrita”, informou a empresa por meio de sua assessoria de imprensa.
Os trabalhadores dizem que sofreram exposição crônica às substâncias e que as empresas os mantiveram em contato com as elas mesmo depois de fazer a autodenúncia de contaminação, em 1995. “Eles informaram que apenas estava sendo feito um trabalho para diminuir o impacto ambiental e não falavam sobre a gravidade da contaminação”, disse Rasteiro.Ele diz que a contaminação afetou até a edificação onde funcionaram as fábricas. “Já tiraram 626 caminhões de entulho e 450 toneladas de ferragem do local”, afirma. Ainda diz que havia contato direto com as substâncias, pois havia falhas de engenharia e de procedimento no manejo dos produtos.
Ação
O grupo entrou em 2002 com uma ação coletiva pedindo que a Shell e a Basf custeiem tratamentos médicos. Neste ano, o Ministério Público entrou com outra ação e novas negociações foram retomadas há seis meses, segundo o advogado da Adesq, Vinicius Cascone. Ele diz que a ação da associação é apenas para o tratamento de saúde e, pedidos de indenização, devem ser feitos individualmente.
Os trabalhadores afirmam que nunca passaram por tratamento custeado pelas empresas, apesar de apresentarem inúmeros problemas.
Segundo a Shell, todos os ex-funcionários foram convidados para as avaliações de saúde por diversos anúncios publicados no segundo semestre de 2001 nos principais jornais da região, por telegramas e telefonemas. A empresa também afirma que por mais de três anos deixou à disposição dos ex-empregados que trabalharam em sua antiga fábrica uma das mais respeitadas clínicas especializadas em saúde do trabalhador e toxicologia ocupacional para avaliação de saúde. Essa clínica recebeu mais de 250 ex-empregados e realizou cerca de duas mil consultas. A clínica permanecia acompanhando os ex-trabalhadores avaliados, do ponto de vista médico, para aprofundar o diagnóstico e orientar as devidas condutas segundo a Shell.
Sem renda, muitos se tornaram dependentes
Sinval José Ramos, de 50 anos, trabalhou por 24 anos e seis meses na Shell e na Basf. Quando fez exames de perícia em 2002, foi detectado que era portador de hepatite tóxica. Desde lá, ele ficou afastado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), até que em junho teve seu benefício cortado. A perícia do instituto avaliou que ele está apto para voltar ao trabalho, apesar de ele ter determinações médicas de que não pode nem pensar em trabalhar em indústrias químicas.Desde então, quem sustenta sozinha a casa onde vivem com dois filhos é a esposa. Ele chegou a ganhar em primeira instância uma ação indenizatória de R$ 175 mil e mais dois salários mínimos por mês. Mas a vitória foi em primeira instância e a Shell está recorrendo. “Não sei o que fazer, pois sei que não vou conseguir emprego, como o que vem ocorrendo com vários colegas”, disse Ramos.
É o caso de Carlos Henrique Leoni, 46 anos, que trabalhou na Shell entre 1985 e 1998. Ele foi contaminado por metais pesados, sente dores constantes na região do fígado e tem inchaços abdominais. Por dois anos e três meses ele também sobreviveu de rendimentos vindos do afastamento pelo INSS. Mas há seis meses o benefício foi cortado.“Dizem que eu estou apto para trabalhar, mas quando chego nas empresas e passo por avaliações, depois que chegam os exames médicos não sou chamado mais. Eles não dizem o motivo, mas sei que é por causa da contaminação”, diz Leoni. Separado, ele vive com um filho de 17 anos e, depois de vender o carro para pagar contas, está precisando da ajuda da mãe para se sustentar.
Ricardo Luis Mendes Gonçalves, de 45 anos, trabalhou na Shell de 1986 a 2002. Em 1999 foi detectada uma artrose no fêmur e em 2000 uma doença renal. A empresa o encaminhou para tratamento, mas ele continuou trabalhando no período. Exames detectaram metais pesados em seu organismo.Casado e com dois filhos, ele está afastado pelo INSS há cinco anos. Em abril de 2008 voltará a passar por uma avaliação da perícia do instituto e teme ter o mesmo destino de seus colegas que perderam o benefício. (MA/AAN)
Projeto-piloto vai garantir atendimento específico
Um projeto-piloto desenvolvido pelas secretarias de Saúde de Campinas e Paulínia está utilizando uma ferramenta específica para o atendimento de ex-moradores e ex-trabalhadores de áreas contaminadas.
O projeto é o resultado de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado pelas secretarias e Ministérios da Saúde com o Ministério Publico do Trabalho
O objetivo é oferecer atendimento específico a ex-moradores e ex-freqüentadores do Recanto dos Pássaros, além de ex-trabalhadores da Shell, Cyanamid e Basf, levando-se em consideração que são pacientes que tiveram exposição prolongada a diversas substâncias químicas perigosas.
Eles passam por avaliações clínicas e são orientados a informar que foram expostos aos contaminantes específicos todas as vezes que futuramente passarem por atendimentos de saúde.
Com esses dados, será possível observar quais as doenças que estão se manifestando nessas pessoas, a incidência e a possível ligação com as substâncias que contaminaram a região onde moravam, freqüentavam ou trabalhavam.
Os trabalhos começaram a ser desenvolvidos no primeiro semestre e, a partir de outubro, foram convidadas a participar 24 pessoas escolhidas por sorteio.
“Em janeiro de 2008 apresentaremos os resultados desse projeto-piloto e, a partir daí, o SUS (Sistema Único de Saúde) poderá desenvolver seus programas de atenção e vigilância à saúde de populações expostas a contaminação utilizando essa ferramenta”, disse o médico-sanitarista Carlos Alberto Henn, coordenador do grupo técnico do projeto.
Há seis áreas de contaminação no Brasil onde estão sendo desenvolvidos projetos do gênero, mas o de Paulínia e Campinas é o pioneiro e o primeiro em que o sistema está sendo implantado.
A idéia é que as informações estejam disponíveis on-line a todos os médicos do SUS, podendo ser acessadas sempre que esses pacientes precisem de atendimento em qualquer cidade do País. (MA/AAN)



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