domingo, 22 de novembro de 2009

 

DÉBITO COLOSSAL.


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Um débito colossal
Atualizado e Publicado em 22 de novembro de 2009 às 09:50
Um débito colossal
Ter, 08 de julho de 2008 08:37
FÁBIO KONDER COMPARATO, na Folha de S. Paulo
A escravidão de africanos e afrodescendentes no Brasil foi o crimecoletivo de mais longa duração praticado nas Américas
A ESCRAVIDÃO de africanos e afrodescendentes no Brasil foi o crimecoletivo de mais longa duração praticado nas Américas e um dos maishediondos que a história registra.
Milhões de jovens foram capturados durante séculos na África econduzidos com a corda no pescoço até os portos de embarque, onde erambatizados e recebiam, com ferro em brasa, a marca de seus respectivosproprietários.
Essa carga humana era acumulada no porão de tumbeiros,com menos de um metro de altura.Aqui desembarcados, os infelizes eram conduzidos a um mercado público,para serem arrematados em leilão.
O preço individual de cada "peça"dependia da largura dos punhos e dos tornozelos.
Nos domínios rurais, os negros, malnutridos, trabalhavam até 16 horaspor dia, sob o chicote dos feitores.
O tempo de vida do escravobrasileiro no eito nunca ultrapassou 12 anos, e a mortalidade sempresuperou a natalidade; de onde o incentivo constante ao tráficonegreiro.
Segundo as avaliações mais conservadoras, 3,5 milhões deafricanos foram trazidos como cativos ao Brasil.O seu enquadramento no trabalho rural fazia-se pela violênciacontínua. Daí a busca desesperada de libertação, pela fuga ou osuicídio.
As punições faziam-se em público, geralmente pelo açoite.
Era freqüente aplicar a um escravo até 300 chibatadas, quando o CódigoCriminal do império as limitava ao máximo de 50 por dia.
Mas em casode falta grave, os patrões não hesitavam em infligir mutilações: dedosdecepados, dentes quebrados, seios furados.
Tudo isso sem contar o trauma irreversível da desculturação, poistodos os cativos eram brutalmente afastados de sua língua, de seuscostumes e suas tradições.
Desde o embarque na África, procurava-seagrupar indivíduos de etnias diferentes, falando línguasincompreensíveis uns para os outros.
Para que pudessem se comunicarentre si, tinham que aprender a língua dos patrões, gritada pelosfeitores. Foi esse, aliás, o principal fator de disseminação da"última flor do Lácio" em todo o território nacional.
Outro efeito desse crime coletivo foi a geral desestruturaçã o doslaços familiares.
As jovens escravas "de dentro" serviam habitualmentepara saciar o impulso sexual dos machos da casa grande, enquanto nasenzala homens e mulheres viviam em alojamentos separados.
O casalamento entre escravos era tolerado para a reprodução, jamais para a constituição de uma família regular.
O resultado inevitável foi a superposição do direito de propriedadeaos deveres de parentesco, mesmo sangüíneo.
Há alguns anos, umpesquisador ianque encontrou, no 1º Cartório de Notas de Campinas(SP), uma escritura pública de 1869, pela qual um varão, ao se tornar maior de idade, decidiu alforriar a própria mãe, que recebera por herança de seu progenitor.
O fato é que, em 13 de maio de 1888, abolimos a escravidão tal como encerramos, quase um século depois, os horrores do regime militar:viramos simplesmente a página.
Os senhores de escravos e seusdescendentes não se sentiram minimamente responsáveis pelasconseqüências do crime nefando praticado durante quase quatro séculos.
Ora, essas conseqüências permanecem bem marcadas até hoje em nossoscostumes, nossa mentalidade social e nas relações econômicas.
Atualmente, negros e pardos representam mais de 70% dos 10% maispobres de nossa população. No mercado de trabalho, com a mesmaqualificação e escolaridade, eles recebem em média quase a metade dosalário pago aos brancos, e as mulheres negras, até metade daremuneração dos trabalhadores negros.
Em nossas cidades, mais de doisterços dos jovens assassinados entre 15 e 18 anos são negros.Na USP, a maior universidade da América Latina, os alunos negros nãoultrapassam 2%, e, dos 5.400 professores, menos de dez são negros.
É vergonhoso que tenhamos esperado 120 anos para ensaiar a primeiramedida de apoio oficial à população negra: a reserva de vagas paramatrícula em estabelecimentos de ensino superior.
No entanto, tal medida representa hoje o cumprimento de um expressodever constitucional.
O artigo 3º da Constituição de 1988 declara,como objetivos fundamentais da República, "erradicar a pobreza e amarginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", bem como "promover o bem de todos", sem preconceitos de qualquer espécie.
Mas o preconceito que tisna os brasileiros de origem africana não é neles marcado apenas fisicamente, como se fazia outrora com ferro embrasa.
Ele aparece registrado como uma degradação social permanente em todos os levantamentos estatísticos.
Que as nossas classes dominantes tenham, enfim, a mínima hombridade dereconhecer que esse colossal passivo de nossa herança histórica aindanem começou a ser pago!
FÁBIO KONDER COMPARATO , 71, é professor titular aposentado daFaculdade de Direito da USP e autor, entre outras obras, de "Ética -Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno" (Companhia das Letras).

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